segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

KURO OBI - RICARDO DA SILVA OLIVEIRA


O Karatê em minha vida: o caminho das mãos vazias

Ricardo da Silva Oliveira


Meu nome é Ricardo, completei 35 anos neste ano. Nasci e cresci em uma das cidades satélites de Brasília e sou o filho mais novo dos três que meus pais lutaram para criar. Digo lutaram porque eles sempre trabalharam duro e a vida já não era nada fácil naquela época. Graças a Deus tivemos uma infância agradável e feliz, éramos crianças normais e saudáveis e a única diferença entre mim e as outras crianças era o simples fato de eu ser, digamos assim, um pouco gordinho. Aos 15 anos eu era um pré-adolescente acima do peso e isso foi o que levou meus pais a me colocarem em uma aula de karatê, já que eu nunca gostei de outro esporte. A princípio eu gostei da idéia pois eu sempre assistia filmes de artes marciais, no entanto nunca me imaginei praticando algo do tipo.
Nos primeiros meses de treino me adaptei rápido, gostava dos novos amigos que tinha feito e do meu professor, gostava dos movimentos que aprendia e entre defesas e ataques, demonstrei facilidade em aprender os katas, que é o que mais gosto de fazer. O estilo era o Goju-ryu, que significa força e flexibilidade, e com o passar do tempo fui entendendo também a importância dos nomes e da história por trás desse estilo e dos demais existentes. Infelizmente não se falava muito sobre a história do karatê e seus percussores, talvez por terem de se preocupar mais com o caráter daquelas crianças que ali estavam, falavam muito em como respeitar o seu próximo e como ser um cidadão de bem, e isso me fez pensar que faltava algo.
Logo ao completar 18 anos, tive que me alistar nas forças armadas, foi uma fase importante da minha vida, mas isso me tomava muito tempo, não tinha mais tempo para família, amigos e nem para praticar karatê. Os anos foram passando e para trás ficou um pouco do que eu aprendi, e na minha mente o que restava eram fleches de alguns movimentos dos katas. Eu sabia no fundo que estava me tornando alguém que eu não queria, um pouco infeliz, acreditem ou não, pois eu não gostava da ideia de ser apenas normal e eu sentia que precisava voltar e continuar o que comecei.
Os anos se passaram e me mudei de cidade, agora estava casado, longe da minha família e amigos e me vi distante de algumas coisas que me davam ânimo, mas agora percebi que tinha tempo para voltar ao caminho antes perdido. Certo dia andando pelas ruas de Catalão, avistei uma placa em uma academia que me chamou atenção e nela dizia Garras do tigre, e tinha aulas de karatê. Na primeira oportunidade fui falar com os proprietários e fui muito bem recebido pelo professor Bussola e sua esposa, e imediatamente voltei a treinar.
O estilo era muito diferente do que eu conhecia, o Shotokan e desde o início gostei muito dos movimentos firmes e dos katas com defesas e ataques impressionantes. Percebi que ali era diferente, aprendi mais rápido sobre a história do karatê do que podia imaginar e descobri que o tigre é o símbolo do karatê Shotokan. Entendi a importância dos grandes mestres do passado, como o mestre Gichin Funakoshi e aqueles que o sucederam, sua história de vida é interessante e me levou a pesquisar e me aprofundar no que aprendo no dojo.
Foi por este motivo que comecei este texto falando meu nome. Nosso nome é muito importante e depende de tudo que construímos no presente, para que as gerações futuras se lembrem dele. Assim como os grandes mestres do karatê fizeram, nossos nomes podem atravessar os séculos e alcançar muitas gerações. Falei de minha infância pois jamais devemos esquecer quem somos e de onde viemos, para nunca perdemos o foco de onde queremos chegar e quem desejamos ser para nossos filhos, netos, bisnetos.
Hoje eu sei que o karatê não é apenas um esporte para mim, se tornou minha razão, o caminho que escolhi, meu estilo de vida. Hoje sei que não posso mais chamar o Bussola apenas de professor, mas sim de Sensei. Sou muito grato a ele e sua esposa dona Elizete por tudo que fazem por mim, pelo apoio e atenção. Agradeço ao Sensei Bruno, ao Douglas e todos os faixas preta, Heder, Luiz Fernando, Augusto, Leonardo, Iury, Sebastião e Renata, pois todos são exemplos para mim. Todos eles são exemplos de pessoas que se esforçaram e alcançaram aquilo que um dia desejo alcançar, e é por isso que sempre que posso paro para ouvi-los. É por aqueles que estão vindo depois de mim, faixas colorida, que não desisto, por todos os companheiros e irmãos. Certa vez li um provérbio chinês que dizia: “ Aquele que sabe e sabe que sabe, é mestre, siga-o. Aquele que não sabe e acha que sabe, é tolo, ignore-o. Aquele que sabe e acha que não sabe, está dormindo, acorde-o. Aquele que não sabe e sabe que não sabe, é humilde, guie-o.” Vejo muito disso em mim, por que as vezes sei que não sei e tenho sede da sabedoria daqueles que sabem, e não são sábios a sua própria maneira, mas sim à maneira do karatê.
É por isso que me sinto muito bem sempre que estou na academia, talvez por estar longe da minha família, e saber que o karatê me deu uma nova família e talvez pelo karatê ter mudado minha vida e ter realizado desejos.
Hoje, o meu desejo mesmo, é que todos tenham seus nomes escritos na história do karatê ou na vida, que seus nomes atravessem os séculos. Talvez apenas por um instante serem reconhecidos por suas conquistas, ou por ter escrito um livro, ou por ter se formado na faculdade, ou ter ajudado alguém a alcançar e realizar sonhos, pois afinal, o karatê é para a vida e nós somos aqueles poucos que escolheram ser diferente, escolhemos ser fortes e mudar nosso destino. Somos aqueles que escolheram o caminho da paz, justiça, harmonia e honra. Nós somos aqueles que escolheram o caminho das mãos vazias.
OSS!

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