quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Saudações, futuros "samurais modernos"...

O grande mestre do Karatê Shotokan já dizia que “Na busca do antigo, está a compreensão do novo. Ser-se o velho ou novo, é tudo uma questão de tempo. Sobre todas as coisas, o homem deve ter uma mente limpa. Este é o verdadeiro caminho! Quem o percorre corretamente?”
Eu como Sensei e aluno, venho me deparando com uma geração de karatecas “Simpato Yamazaki”, a geração dos anos 80 e 90 assistiram o “grande herói” da televisão o Chapolin Colorado, em um confronto com um karateca pra lá de fajuto. (https://www.youtube.com/watch?v=x2TYdqgMfYk)
Como vem sendo difícil ensinar o “caminho” do Karatê-dô para essa nova geração! E é fácil nos deparamos com o dilema: competição X filosofia.
O Karatê não diferente da sociedade atual vem passando por transformações, “o velho e o novo” repassar os princípios, a filosofia, que meu Sensei deixou não está sendo fácil! Como cobrar de uma geração que não suporta a cobrança, que “desiste na primeira topada”. Então fica a pergunta, qual é o objetivo de treinar Karatê?

Já se vão alguns anos... quando eu era um “piázinho” em Goioêre/PR... (e olha que eu nem sou tão velho assim... 20 anos no karatê! Há 10 anos faixa preta! É... pensando bem... alguns passos mas perto do caminho...).
Menino criado com avó, levei muuuuito puxão de orelha em casa! Mais ainda na academia, onde meu pai e Sensei não deixava muito barato as broncas da mãe, filho mais velho vocês nem imaginam...
No começo não era tão diferente de hoje! Toda criança quer brincar, descontrair, se divertir... Mas, aos poucos a fase das brincadeiras foi dando lugar aos treinos mais “sérios”.
Houve então uma mudança no foco, na medida também do amadurecimento pessoal, meus colegas e eu passamos a nos espelhar nos karatecas mais graduados, como os alunos mais velhos e o Sensei.
Eram a nossa inspiração, não somente pelos resultados nas competições e sim referências na vida. No tatame, técnica e garra. Na vida, disciplina, dedicação, boa reputação. Honra de “samurai moderno”, eu diria!

SER O EXEMPLO! Foi a prioridade para a nossa geração.

Ver os faixas pretas treinando, se doando ao máximo em cada sessão de treino significava para nós que deveríamos fazer o mesmo: dar o melhor de si! 110%! O cansaço, a dor e o sofrimento significavam superação e aprendizado.
Mestre Funakoshi em um de seus relatos escreveu como era a prática na sua época, guardado as devidas proporções, os nossos treinos tinham uma semelhança em todos os aspectos, muita disciplina e doação. "Noite após noite, frequentemente no pátio da casa dos Azato, sob a observação do mestre, eu praticava um kata (exercício formal) repetidas vezes, semana após semana, às vezes mês após mês, até tê-lo dominado completamente para satisfação do meu professor. (Fuakoshi, p. 21. 2010)




“Shut up and train!”







Havia outros momentos, as valiosas oportunidade de ouvir os mais velhos e mais graduados conversarem, que nos ajudavam a entender o valor de cada soco, chute e defesa, de cada kiai, de cada frase do Dojo Kun repetida incontáveis vezes, e de cada castigo físico e moral imputados.
Nas nossas competições, além da ludicidade, havia uma arbitragem educativa que não estava ali para manipular os resultados, privilegiando o ranking da sua própria academia... e sim para ensinar e fazer prevalecer as regras e os valores primordiais que asseguram que uma competição esportiva possa proporcionar em sua dimensão formativa. A competitividade era estimulada no sentido de superação das limitações individuais. O nosso Sensei afirmava que ganhar ou perder, dependia de quanto suor era derramado no tatame, e que na maioria das vezes a derrota ensina muito mais que a vitória, pois mostra onde podemos melhorar e que precisamos treinar mais.
Fomos forjados nos moldes mais rígidos, tendo clareza de que melhor seria se desistíssemos na faixa marrom, pois entendemos o peso e o significado que teria a faixa preta. Nunca desistir. Esse seria o compromisso de cada karateca: reconhecer que a transição para o 1° Dan seria o ponto de partida e não de chegada. 
Como um velho amigo e Sempai (aluno mais velho)  me perguntara uma vez. Você sabe qual é o caminho? 

Qual é o caminho?

Hoje os tempos são outros, a família é outra, a escola é outra, é outra geração. Se nossas exigências hoje fossem as mesmas daquela época? Não, não podem ser.

Sei que é também uma questão geográfica...

Mas, infelizmente, o que prevalece hoje, é um karatê estereotipado (como daquele karateca “Simpato Yamazaki”...), a ludicidade das competições deu lugar a esportivização, ganhar a qualquer custo.
O que quero dizer com isso? É que muitos valores que foram e estão sendo ensinados ficam negligenciados quando o Karatê é visto apenas com mais uma atividade física ou prática esportiva que ocupa três horinhas na semana...

No tatame e fora dele, a responsabilidade que tenho pra mim, sabendo que não posso cobrar meus alunos da maneira como fui cobrado, me resta inspirá-los, demonstrando que cada técnica bem executada, cada forma a mais perfeita o possível, cada kiai mais autêntico e expressivo, cada lema respeitosamente seguido valem a pena, no Dojo e na vida.


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Kumite - 組手


Kihon Ippon Kumite - JKA 

A última (e não menos importante!) parte que compõe o tripé do Karatê-Dô Shotokan é o Kumitê, que significa luta, combate contra um adversário. Deixando de lado as luta imaginárias do Kata, no Kumitê aplicam-se ataques de braço e perna e defesas, contra um oponente real. As lutas ainda podem ser combinadas, semi-combinadas ou livres.
            O significado literal de Kumitê, em japonês, é “encontro de mãos”. Kumi: “encontro” e Te: “mãos”. Todo praticante de Karatê deve (ou deveria!) aprender ao longo de sua formação e treinar durante anos, os vários tipos de Kumitê, não somente o Shiai (luta esportiva) como também passar pelas várias etapas de Gohon e Sanbon (para iniciantes faixas branca, cinza e azul - YOBUKAN), de Ippon (para praticantes intermediários faixas amarela, vermelha e laranja), de Jyu Ippon (para faixas verde, roxa e marrom) e Jyu Kumite (para faixas pretas).
            A cortesia é fator importante na cultura japonesa e, principalmente nas artes marciais, a praticamos (ou deveríamos praticar!) em todos os momentos, não somente no Kihon e no Kata, como dizia o grande mestre Funakoshi “o Karatê inicia e termina com cortesia” e é assim que deve ser também no Kumitê: fazer a saudação com respeito e agradecimento pela oportunidade de ter o companheiro para treinar é algo admirável.
            Mestre Jonery repete um ensinamento dos velhos mestres a cada praticante afoito em lutar: “treine Kihon (fundamento) e Kata (forma) que o Kumitê sai”. Sensei Jonery é claro ao dizer que “não se desenvolve o Kumitê só praticando a luta em si e que o praticante deve treinar o Kihon e o Kata mais do que o Kumitê, e com isso estará sempre aprimorando a luta”.

Gohon-Kumitê (5 ataques e 5 defesas com 1 contra-ataque) é muito utilizado nos treinamentos de praticantes iniciantes, por conter movimentos simples. Quem ataca (tori) tira uma medida jodan (nível alto), chudan (nível médio) ou gedan (nível baixo) em pé e recua a perna direita ficando em gedan-barai de esquerda na base zenkutsu-dachi e quem defende (uke) fica em pé inicialmente.

Sanbon-Kumitê (3 ataques e 3 defesas com 1 contra-ataque). É idêntico ao gohon só que é feito em 3 passadas e é usado pelos praticantes faixa azul (Yobukan/Garras do Tigre), ou para os faixa branca.

Ippon-Kumitê (1 ataque e 1 defesa com contra-ataque). Posturas iniciais idênticas aos anteriores. O defensor se desloca para trás e para o lado, saindo da linha do atacante que não pode seguir o alvo. Procurar aplicar o contra-ataque sempre chudan. Lembrar sempre do grito (kiai) no ataque e no contra-ataque.

Jyu-Ippon-Kumite: (semi-combinado) avisa-se a região do corpo onde será desferido o golpe e/ou o tipo de golpe que será aplicado. É um dos mais difíceis treinamentos de Karatê, mais difícil até que o Jyu-Kumitê (livre). Apesar de ser semi-combinado é de uma complexidade muito grande. Se o praticante se aprimorar nesse treinamento se sairá bem em luta. Ambos os praticantes na base livre (jyu-kamae).

Jyu Kumite (combate livre) Após a saudação os praticantes iniciam o combate livremente, tentando encaixar os golpes. O combate poderá ser orientado para técnicas de pernas (ashi-waza) ou técnicas de braços (te-waza); um ser o atacante (tori-waza) e o outro usar o contra ataque sendo somente o defensor (uke-waza); enfim, quanto menos forte mais corretas deverão ser as técnicas e sempre controladas.

Shiai-Kumite (luta de competição) É uma luta pela conquista de pontos, onde há as técnicas permitidas de acordo com as normas de cada federação. A competição deve servir para o praticante desenvolver o respeito e disciplinar-se física e mentalmente.

Cada federação esportiva tem regras diferentes e o praticante que treinar os princípios do verdadeiro Karatê nunca terá problemas para se adaptar as regras e técnicas exigidas para pontuar na federação em que for participar.
Os protetores que são utilizados nas competições ou treinos, não são para que o karateca bata mais e sim para que ele anule os impactos e arrisque mais, sem medo de machucar a si ou ao companheiro.

Me-Narashi (sem força) É um combate livre, sem força, também chamado de “Kumitê sombra” podendo ser acelerado ou em câmera lenta, de acordo com o objetivo do treino. É nele que se aprende a executar as técnicas corretamente, sem o medo de se machucar. Pode ser utilizado para o aprimoramento tanto do jyu-kumite quanto do shiai-kumite.

            A grande questão é: treinar Shiai ou treinar Kumitê?

O problema que vemos nos nossos dias, nas “badaladas” confederações, é a especialização dos atletas, ditos karatecas (ahhhh sim!... na minha humilde opinião... KARATECAS SIMPATO YAMAZAKI... isso sim!), que fazem a opção apenas pelo “Kumitê” ou apenas pelo “Kata”, prática que vem influenciando novos praticantes... e a consequência é que deixamos de treinar Karatê e os professores pelo mundo deixam de ensinar o Karatê como um só (sentido de totalidade da arte), dando ênfase ao Shiai que é somente mais um método de treinar o Kumitê e não o Karatê na sua essência.
Então... esses são os espinhos?? Ahhh... apenas alguns deles, dentre outros... que nos causam sofrimento e dor de verdade quando presenciamos a desvalorização e a prática reducionista e superficial de um karatê (re)inventado sem nenhuma responsabilidade e sem a devida consideração e respeito ao legado deixado pelos grandes mestres.
E assim vemos florescer a nossa árvore... e... estamos cientes da qualidade dos frutos que pretendemos colher?...

Genealogia Humana
O homem se equipara a uma árvore: suas flores são felicidade, seus galhos, seu objetivo; suas folhas, segurança; seu tronco, fortaleza; sua raiz, o conhecimento; a natureza, sua fonte de vida. Muitas vezes, espinhos invadem seu espaço e tentam combate-la tirando suas folhas, impedindo os galhos e ferindo o seu tronco... mas sua raiz continua intacta porque ela é que extrai da natureza toda a energia necessária para manter o arbusto, e é a partir da raiz que o tronco e membro se constroem.
Quem contem raiz forte, longa e firme lutará e vencerá os espinhos não importando o quanto sua estrutura for afetada, mas os que tem raiz fraca aos espinhos estará entregue, pois em seu corpo não há sustento para enfrentar uma batalha.

(FAZANARO, 1992 apud GUIMARÃES & GUIMARÃES, 2002, p. 185)