O Karatê em minha vida: o caminho das mãos vazias
Ricardo da Silva Oliveira
Meu
nome é Ricardo, completei 35 anos neste ano. Nasci e cresci em uma das cidades
satélites de Brasília e sou o filho mais novo dos três que meus pais lutaram
para criar. Digo lutaram porque eles sempre trabalharam duro e a vida já não
era nada fácil naquela época. Graças a Deus tivemos uma infância agradável e
feliz, éramos crianças normais e saudáveis e a única diferença entre mim e as
outras crianças era o simples fato de eu ser, digamos assim, um pouco gordinho.
Aos 15 anos eu era um pré-adolescente acima do peso e isso foi o que levou meus
pais a me colocarem em uma aula de karatê, já que eu nunca gostei de outro
esporte. A princípio eu gostei da idéia pois eu sempre assistia filmes de artes
marciais, no entanto nunca me imaginei praticando algo do tipo.
Nos
primeiros meses de treino me adaptei rápido, gostava dos novos amigos que tinha
feito e do meu professor, gostava dos movimentos que aprendia e entre defesas e
ataques, demonstrei facilidade em aprender os katas, que é o que mais gosto de
fazer. O estilo era o Goju-ryu, que significa força e flexibilidade, e com o
passar do tempo fui entendendo também a importância dos nomes e da história por
trás desse estilo e dos demais existentes. Infelizmente não se falava muito
sobre a história do karatê e seus percussores, talvez por terem de se preocupar
mais com o caráter daquelas crianças que ali estavam, falavam muito em como
respeitar o seu próximo e como ser um cidadão de bem, e isso me fez pensar que
faltava algo.
Logo
ao completar 18 anos, tive que me alistar nas forças armadas, foi uma fase importante
da minha vida, mas isso me tomava muito tempo, não tinha mais tempo para
família, amigos e nem para praticar karatê. Os anos foram passando e para trás
ficou um pouco do que eu aprendi, e na minha mente o que restava eram fleches
de alguns movimentos dos katas. Eu sabia no fundo que estava me tornando alguém
que eu não queria, um pouco infeliz, acreditem ou não, pois eu não gostava da
ideia de ser apenas normal e eu sentia que precisava voltar e continuar o que
comecei.
Os
anos se passaram e me mudei de cidade, agora estava casado, longe da minha
família e amigos e me vi distante de algumas coisas que me davam ânimo, mas
agora percebi que tinha tempo para voltar ao caminho antes perdido. Certo dia
andando pelas ruas de Catalão, avistei uma placa em uma academia que me chamou
atenção e nela dizia Garras do tigre, e tinha aulas de karatê. Na primeira
oportunidade fui falar com os proprietários e fui muito bem recebido pelo
professor Bussola e sua esposa, e imediatamente voltei a treinar.
O
estilo era muito diferente do que eu conhecia, o Shotokan e desde o início
gostei muito dos movimentos firmes e dos katas com defesas e ataques
impressionantes. Percebi que ali era diferente, aprendi mais rápido sobre a
história do karatê do que podia imaginar e descobri que o tigre é o símbolo do
karatê Shotokan. Entendi a importância dos grandes mestres do passado, como o
mestre Gichin Funakoshi e aqueles que o
sucederam, sua história de vida é interessante e me levou a pesquisar e me
aprofundar no que aprendo no dojo.
Foi por este
motivo que comecei este texto falando meu nome. Nosso nome é muito importante e
depende de tudo que construímos no presente, para que as gerações futuras se
lembrem dele. Assim como os grandes mestres do karatê fizeram, nossos nomes podem
atravessar os séculos e alcançar muitas gerações. Falei de minha infância pois
jamais devemos esquecer quem somos e de onde viemos, para nunca perdemos o foco
de onde queremos chegar e quem desejamos ser para nossos filhos, netos,
bisnetos.
Hoje eu sei que o
karatê não é apenas um esporte para mim, se tornou minha razão, o caminho que
escolhi, meu estilo de vida. Hoje sei que não posso mais chamar o Bussola apenas
de professor, mas sim de Sensei. Sou muito grato a ele e sua esposa dona
Elizete por tudo que fazem por mim, pelo apoio e atenção. Agradeço ao Sensei
Bruno, ao Douglas e todos os faixas preta, Heder, Luiz Fernando, Augusto,
Leonardo, Iury, Sebastião e Renata, pois todos são exemplos para mim. Todos
eles são exemplos de pessoas que se esforçaram e alcançaram aquilo que um dia
desejo alcançar, e é por isso que sempre que posso paro para ouvi-los. É por
aqueles que estão vindo depois de mim, faixas colorida, que não desisto, por
todos os companheiros e irmãos. Certa vez li um provérbio chinês que dizia: “ Aquele que sabe e sabe que sabe, é
mestre, siga-o. Aquele que não sabe e acha que sabe, é tolo, ignore-o. Aquele
que sabe e acha que não sabe, está dormindo, acorde-o. Aquele que não sabe e
sabe que não sabe, é humilde, guie-o.” Vejo muito disso em mim, por que as
vezes sei que não sei e tenho sede da sabedoria daqueles que sabem, e não são
sábios a sua própria maneira, mas sim à maneira do karatê.
É por isso que me
sinto muito bem sempre que estou na academia, talvez por estar longe da minha
família, e saber que o karatê me deu uma nova família e talvez pelo karatê ter
mudado minha vida e ter realizado desejos.
Hoje, o meu desejo
mesmo, é que todos tenham seus nomes escritos na história do karatê ou na vida,
que seus nomes atravessem os séculos. Talvez apenas por um instante serem
reconhecidos por suas conquistas, ou por ter escrito um livro, ou por ter se
formado na faculdade, ou ter ajudado alguém a alcançar e realizar sonhos, pois
afinal, o karatê é para a vida e nós somos aqueles poucos que escolheram ser
diferente, escolhemos ser fortes e mudar nosso destino. Somos aqueles que
escolheram o caminho da paz, justiça, harmonia e honra. Nós somos aqueles que
escolheram o caminho das mãos vazias.
OSS!