O Karate-Do em minha vida
Quem nunca assistiu Daniel-san (Karate Kid: A hora da verdade, 1984)? Assim o Karate entrou em minha vida, com a vontade de praticar a arte milenar. No entanto, o desejo de praticar tal arte marcial foi carregada, durante muito tempo, por anseios pessoais errôneos e expectativas contrária as reais filosofias pregadas pelo espírito bushido.
Criado em ambiente tenso, filho de militar, que manteve minha criação sempre rígida, e minha mãe sempre gestora e professora colégio em que estudava. Esta situação criou várias inimizades, das quais sempre me senti frágil e orgulhoso, pra que não precisasse “utilizar” meu pai para resolução dos meus problemas.
Assim, na academia Podium, iniciei a prática do Karate Shotokan, incentivado por alguns amigos que praticavam a arte marcial à época. O começo foi difícil. Entender que o Karate não atendia aos meus anseios iniciais me chateou, ao ponto de eu pensar em desistir logo no início. Bases fortes, socos rápidos, treinamentos exaustivos e a cobrança disciplinar do meu primeiro Sensei, Acácio Roberto Vaz, foram marcantes para que a sensação de assistir ao filme de Daniel-san fosse, em pouco tempo, vaporizada.
Neste momento uma decisão precisava ser tomada: parar ou continuar? Não havia estímulos suficientes! - pensava eu. No entanto algo me intrigou: porque todos os inícios de aula, cumprimentar alguém que já morreu? Porque ao final de todas as aulas repetir este tal de Dojo-Kun? A resposta mais tarde viria, como uma marreta a quebrar todas os preconceitos iniciais e os motivos errados para a prática do Karate.
Assim, a cada dia, o espírito do bushido e cada palavra dita durante o final de cada treinamento no Dojo-Kun, foram se acendendo em minha vida e minha prática da luta como uma vela ao ser acesa em um quarto escuro. Porém, devido a pouca idade, e o sensação extasiante de evolução, troca de faixas e as conquistas em campeonatos, fizeram com que levemente fosse me desviando do caminho. Todas as descobertas feitas estavam sendo esquecidas.
Meu Sensei, como mestre no ensino do estilo de vida Karate, logo percebeu e tratou de “corrigir o galho da arvore, quando a arvore ainda é nova.”. 100 zukis em kibadachi, 50 maegueri em cada perna, 50 yokogueris em cada perna. As aulas e treinamentos pareciam direcionadas especialmente para mim. Não foi fácil. Apesar de resistente, realizava todas as tarefas até a conclusão. Porém, devido a minha indignação por tal “castigo” e ao fato de iniciar meus estudos em outra cidade, abandonei a prática do Karate, no 3 º kyu (faixa verde).
Parei o treinamento, porém não de estudar sobre o Karate. Entendi por que e o que representava cumprimentar Gichin Funakoshi ao início e final de todas as aulas. Sempre acompanhando as notícias da academia, até o momento em que me disseram que a academia foi dissolvida, e que devido a motivos pessoais, nosso Sensei abandonará o Karate.
Ao término dos meus estudos, concomitantemente ao nascimento de minha primeira filha, me ocorreu uma enorme vontade de retornar a prática do Karate, assim como compreendi o porquê dos “castigos” que pensava ser aplicados por meu sensei devido minha indisciplina. Com a extinção do meu dojo, tive que procurar outra opção. Conheci então, por parte de uma prima, a família Bussola.
O corpo estava “duro”, inflexível. Os movimentos ágeis e precisos, sucumbiram ao 30 kgs adicionais. A readaptação após todos os 05 anos sem treinar foi tensa, porém gratificante. Coroada com a graduação ao 2 º Kyu (faixa roxa). Desafio vencido. Vencido? A participação em uma competição logo após o exame de faixa veio afirmar o que já sabia e queria mitigar: falta de autocontrole. Falta de exercitar o espírito bushido. Outro novo desafio.
Novamente, motivado pelos motivos errados, abandonei os treinamentos. Novamente continuei estudando o Karate, biografia de Gichin Funakoshi, história do Japão desde a época da primeira guerra até a atualidade e a língua e culinária japonesa. Após um curto período, o mesmo desejo de voltar. Porém a decepção com o resultado da competição me acompanhou por alguns meses. Me graduei faixa marrom 1º kyu em dezembro de 2014. No ano seguinte, diversos acontecimentos pessoais e familiares me atingiram, e precisei me resignar, me reorganizar externamente e internamente para novamente “colocar calor para manter a água morna.”. Após largos 8 anos afastados da prática do Karaté, retornei em 2023. Voltei!
Consciente. Maduro. Autoconfiante. Autocontrolado. Respeitoso. Submisso. Estudioso. Didático. Dedicado. Direito. Correto. Mas não, nunca, o suficiente. Quero mais de mim e do meu estilo de vida, o Karate-Do Shotokan. Prático e viver o meu Karate. Quero viver o Dojo-Kun, de forma que a prática da luta e minha vida sejam indissolúveis. Prático e quero continuar praticando o Karate como criança no início do aprendizado, chegando ao Dojo sempre com o “copo vazio”. Sempre embasado pelo legado deixado por Gichin Funakoshi em toda sua biografia e seus livros e lutando sempre pela evolução e popularização do Karate. Não prático para competir, não prático para passar em exames de faixa e apenas obter graduação.
Hoje, posso olhar para traz e perceber o quanto eu devo ao Karate e aos meus senseis e colegas de Dojo, antigos e atuais, que me legaram esta maravilhosa arte marcial. Sinto que tenho uma imensa responsabilidade de transmitir estes conhecimentos recebidos durante tantos anos aqueles que desejem aprender e colocar em prática em sua vida. Não se trata de um conhecimento marcial apenas, e também não se trata de nenhuma religião ou magia. De ato, durante todo o tempo da prática do Karate eu jamais me esqueci de Deus, nem jamais procurei substituí-lo pelo esporte. Nem tampouco pretendo apresentar esta arte marcial como algo milagroso ou como a solução para todos os problemas da humanidade. O Karate é algo que só pode ser compreendido por aqueles que o praticam com o coração aberto e por tempo suficiente para que os efeitos se façam sentir em sua vida. Oss.
"Se alguém lhe bloquear a porta, não gaste energia
com o confronto, procure as janelas.
Lembre-se da
sabedoria da água: A água nunca discute com
seus obstáculos, mas os contorna.
Quando alguém o
ofender ou frustrar, você é a água e a pessoa que o feriu
é o obstáculo!
Contorne-o sem discutir.
Aprenda a amar sem esperar muito dos outros”.
(Augusto Cury)